O meu Pai olhava ansioso em redor, esperando vislumbrar o seu pai e eu tentava recuperar o equilíbrio e a compostura, após o enjoo da longa viagem. A minha Mãe e a Tia Doroteia ocupavam-se das nossas bagagens, que o revisor ia retirando do porta-bagagens.
Velhos, de ambos os sexos, espalhavam-se em pequenos grupos, sentados nos degraus da entrada das casas que se perfilavam desordenadas na berma da estrada. Casas de pedra granítica, algumas caiadas de branco. Notei que apenas a estrada, por onde havíamos chegado, era asfaltada, enquanto as ruas que dela partiam eram de calçada de negras pedras de basalto, irregulares, o que resultava numa superfície desnivelada, deixando adivinhar um caminhar tortuoso e trôpego.
Vi meu Pai falar com um velho, perguntando por seu pai. O velho partiu e pouco depois vi outro velhinho risonho apressar-se, quase correndo, na nossa direcção. Meu Pai se precipitou, na sua desequilibrada corridinha coxa (meu Pai era coxo, devido a uma paralisia infantil que o deixara estropiado duma perna), para o velhinho que abraçou com os olhos marejados de lágrimas. O velhinho antes de aceitar o abraço apressou-se a tirar o chapéu da cabeça, que manteve sempre na mão enquanto nos cumprimentou a todos.
"Este é o meu netinho?! Como está o menino?", dirigiu-se-me o meu Avô, com uma deferência que me deixou embaraçado, pois ele falava como se eu fosse uma individualidade hierarquicamente superior a ele. Achei isso um comportamento bizarro demais para um idoso se dirigir a uma criança; mais ainda por ser ao seu próprio neto. Nunca ninguém se havia a mim dirigido com tal deferência. Fazia-me sentir um príncipe ou outra entidade aristocrática. Jamais alguém me tratara de tal modo.
E sempre aquele chapéu negro, manchado de suor, na mão trémula, calosa e morena do sol por muitas décadas de árduo trabalho rural.