sexta-feira, 11 de julho de 2008

Chegada

Era manhã, bem cedo.
Eu dormia num dos beliche do camarote, perdido num convés inferior, num labirinto de corredores e escadas confusamente idênticos. A voz da minha mãe acordou-me:
- Anda, filho. Levanta-te e veste. Estamos chegando.
Eu obedeci com prontidão, como era meu hábito. Sempre reconheci e respeitei a função da autoridade.

Passado breves minutos já eu a acompanhava rumo ao convés exterior. Ao sair para o ar frio e húmido da manhã vi que o navio já navegava entre as duas margens do Tejo e logo os meus olhos procuraram, na luz leve azul que o Sol ainda não corrompera, a forma inconfundível pela qual tanto ansiara poder olhar directamente, ao vivo.
Lá estava ela elevando-se majestosa, imponente acima da proa garbosa. Os dois pilares altaneiros, suportando toda a cabulação de onde pendia o tabuleiro; a Ponte sobre o Tejo.

Num silêncio deslumbrado, quase religioso, acompanhei a minha mãe que me conduzia até mais perto da proa para eu ter mais espaço de onde pudesse contemplar desafogadamente. Meu olhar não se desviava daquela visão magnifica, recortada no céu matizado agora, com os tons do Sol nascente. A imponente estrutura avançava suavemente ao encontro do navio, agigantando-se cada vez mais imponente. Eu ignorava por completo que na margem desfilavam outras obras dignas da minha admiração respeitosa; a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos, o Mosteiro dos Jerónimos, enfim. A visão da ponte que se aproximava e a expectativa de ver como conseguiria ela elevar-se acima do altaneiro mastro de radar do paquete, era uma cena que indelevelmente se desenhava para mim e perante mim; que eu queria gravar para sempre na minha memória.

Lentamente a imensa estrutura de aço, pintada de vermelho, se erguia sempre mais alto ao aproximar do navio, até ao momento em que eu já a podia ver por baixo. Os meus olhos fitavam ora a ponte, ora o mastro, enquanto eles se aproximavam inexoravelmente. Passará? Passará? Passará?

Olhando de baixo parecia que ambas as estruturas quase roçavam. Então o troar da busina do navio anunciou a sua chegada ao Porto de Lisboa, rodeado já pelos rebocadores que o manobrariam no seu atracamento ao cais da Gare Marítima de Alcântara.

Despertei então do meu torpor encantado e verifiquei que já o convés se apinhara duma multidão ansiosa por vislumbrar os seus entes queridos entre a outra multidão que se apinhava do lado de terra, acenando freneticamente ao longo dos vastos terraços que ladeavam o edifício da gare.
Eu havia chegado à Metrópole! Finalmente iria pisar solo europeu. Finalmente um sonho meu estava prestes a se realizar.

4 comentários:

São disse...

A primeira visão que tive da Ponte foi precisamente do lado oposto.
E esperava uma das pessoas que mais me desiludiram na minha vida.
Por estupidez minha!
Abraços.

Arnaldo Reis Trindade disse...

Perfeita a descrição que fez em teu texto, eu só conheço a ponte o porto e tudo em volta deles por foto, mas acabei sonhando ao ler tua descrição, parece que estou a passar pela ponte enquanto leio teu texto.
Parabens.
Obrigado por linkar o meu blog.

ManDrag disse...

Salve! Arnaldo
Obrigado pela visita e pela empatia.
Quanto ao link não tens que agradecer. É um dever honroso divulgar o esforço daqueles que lutam por causas nobres.
Salutas!

Amar sem sofrer na Adolescência disse...

Adorei tudo que li e já percebi que voltarei tantas outras vezes. Lindas imagens desatam, aportam, despertam em nossas mentes. Adorei o seu blog e declaro-me seguidora.
abraços